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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

REGULAGEM DE BARCOS - PARTE 4 - Tipos de braçadeiras

Nos barcos a remo, as potências desenvolvidas pelos remadores, devem ser aplicadas ao barco, para que este se desloque na água, com a maior eficiência, e a menor agregação de peso ao conjunto.

É um dos problemas construtivos que mais tem influenciado na engenharia naval relacionada com o esporte do remo.

Uma maneira elegante de representar este problema, é utilizar "linguagem técnica".

Por exemplo, dizendo que a potência é exercida mediante vetor (vide nota 1 ao final), cuja definição clássica em geometria, é "segmento de reta orientado".

Em palavras mais simples, a potência há de ser transferida mediante um "ponto de apoio" da "alavanca" (remo) fixado ao barco (é a forqueta!).

No princípio os barcos eram bem largos, os remos relativamente curtos, então o ponto de apoio (forqueta) se situava na "borda" do barco.

No entanto, a evolução acarretou o estreitamento dos barcos, e alongamento dos remos, até que alguém imaginou colocar o "ponto de apoio" (forqueta) distante da borda dos barcos.

Para distanciar as forquetas das bordas dos barcos, foram usados canos, comumente denominados de "braçadeiras".

Essa expressão (braçadeira) se origina do inglês "rig", ou "riggers", e o ato de construir ou regular as braçadeiras, se chama "rigging".




Quanto ao sentido da transferência de forças:

Tensional => A potência resultante do movimento de alavanca do remo, aplicado na forqueta, resulta num vetor horizontal (em relação à água) em que o segmento de reta orientado "a" => "b" onde construção será tal, que o ponto "a" estará mais à popa em relação à forqueta, e o ponto "b" (onde se aplica a potência) será a forqueta. Também chamado de tração, carregamento, ou popularmente "puxar".

Compressional => A única diferença em relação ao tipo tensional, é de que neste caso, o ponto "a" será a forqueta (ponto de aplicação da potência) e o ponto "b" estará situado mais à proa. Também chamado de pressão, ou popularmente, "empurrar".
Tensional-compressional => O ponto de apoio da potência (forqueta) é situado aproximadamente "no meio" de dois segmentos de reta, gerando portando dois vetores, um deles tensional e outro, compressional.


Geometria das braçadeiras
Desde que foram inventadas braçadeiras externas aos barcos, vários desenhos foram adotados, em geral por tentativa e erro, e também tentando resolver problemas de construção do próprio barco de madeira.
Em qualquer caso, teremos duas funções na braçadeira, ao mesmo tempo, a saber, sustentação (impede que o remo afunde) e transmissão de força (transfere a potência do ponto de apoio para o barco).
Um dos problemas construtivos, é evitar que os vetores (tanto de sustentação como de potência) acarretem torção longitudinal ou transversal no barco, como também, resolver o melhor ponto de "descarga" da potência no barco em relação ao CG (centro de gravidade) da embarcação.

Imaginem resolver os problemas construtivos, quando se somam vários pontos de potência (barcos de dois, quatro ou oito remadores) ou então quando existe modificação na alternância dos pontos (por ex., utilizando-se o sistema "Motoguzzi").
Em geral, os vetores em braçadeiras podem ser calculados segundo sua orientação, conforme as regras clássicas, dos cossenos, do paralelogramo, ou de casos particulares como o dos vetores perpendiculares (S2=A2+B2), porém aqui não temos o objetivo de esgotar o assunto (vide nota 2 ao final).



Tipos de braçadeiras mais comuns:



1. Perpendicular de proa, ou "Harvard-Oxford"


Em termos vetoriais, trata-se da aplicação do sistema compressional. A braçadeira é composta por um braço de sustentação, geralmente perpendicular (90º) em relação ao barco e sustentado pelo "curvatão".
A resultante é transmitida por um outro braço colocado por davante (mesmo ponto geralmente utilizado para colocação do que chamamos de "5º braço", ou final do trilho) podendo usar concomitantemente o "5º braço" ou não.
Em termos construtivos, a braçadeira haverá de ser sustentada por um curvatão central muito forte, e a resultante necessita ser recepcionada por outro curvatão igualmente bem construído.
Caso clássico de braçadeira compressiva. O remador parece "empurrar" o barco.



2. Perpendicular de ré

É o inverso do sistema perpendicular de "proa".

Neste caso, a braçadeira é tensil. O remador parece "puxar" o barco.



3. Triangular

Neste sistema, dois curvatões de força são utilizados para suportar a braçadeira, sendo um logo atrás do fincapés, e outro na região do 5º braço (final do trilho), ambos servindo de sustentação.
Portanto eliminando a necessidade de um braço de sustentação no "meio". 
Neste caso, teoricamente há uma equivalência entre os vetores de compressão e tensão. 
É considerado o "text book", ou ideal em termos de braçadeiras para barcos de madeira.



Observação: A utilização de "5º braço" altera as situações clássicas. Apresentamos acima, as braçadeiras sem considerar uso de 5º braço.




EVOLUÇÃO DOS BARCOS, E A INFLUÊNCIA NA CONSTRUÇÃO DAS BRAÇADEIRAS
(BRAÇADEIRAS NA ATUALIDADE)

Como sabemos, as braçadeiras nasceram "depois" (ou como "consequência") da evolução dos barcos e dos remos.

A partir dos anos 70, construtores começaram a experimentar com materiais sintéticos, tanto para barcos como remos.
Naquela época, barcos de material sintético eram algo "exótico"; a regra eram os barcos de madeira.
Ao longo destes últimos 40 anos, chegamos ao ponto em que barcos e remos "de madeira" são hoje uma rara exceção, s considerados por muito apenas um testemunho de uma era passada, tornando-se objetos de "cult", ou então peças de museu, e em alguns casos, sendo utilizados como peças de "decoração".

Novas técnicas construtivas, determinaram a adoção de novas soluções para as braçadeiras.
No caso de barcos de fibra de carbono, é possível realizar a construção de praticamente 99% do barco com esse material já incluindo a própria braçadeira.

No entanto, as leis matemáticas e da geometria não foram alteradas, portanto os princípios descritos continuam plenamente aplicáveis, com um importante aperfeiçoamento, comentado a seguir.




Braçadeira auto-portante

Com a construção de barcos de material sintético (Kevlar, carbon-fibre etc.), popularizou-se um tipo de braçadeira cujo "braço de suporte" se resolve em sí próprio.
Ou seja, pelo método auto-portante, não é necessária a presença de um "curvatão" clássico, mas sim e apenas, um reforço no casco e na "borda" do barco para "assentamento" da braçadeira.
Por razões estritamente biomecânicas (e na opinião do autor, por razões práticas) este tipo de braçadeira geralmente é "fixado" sobre a borda na altura do fincapé (mais à popa) ou na altura do "5º braço" (mais à proa).


Exemplo de braçadeira tensil auto-portante:


Barco: Skiff Vicente Dors, 2011
Foto: Do autor, 3/set/2011

Este tipo de construção "resolveu" vários problemas construtivos, tais como, torção (praticamente anulada) e facilidade de desmontagem-remontagem (é possível realizar estas operações, visando transporte, sem que a "regulagem" seja alterada).
Nota-se uma tendência dos construtores em optarem por braçadeiras auto-portantes compressionais (tipo perpendiculares de proa), o que faz muito sentido na medida em que os detalhes de construção permitem a eliminação do 5º braço. Para que "apenas um cano" sirva de sustentação, tração e compressão e também se elimine o 5º braço, é necessária uma qualidade de construção e seleção de materiais muito apurada.
Lembrando que o sistema "auto-portante" não é novidade. Vejamos a seguir.



Braçadeira auto-portante "barco asa"

No passado existiu uma braçadeira auto-portante em que não era "o carrinho" que se movia, mas sim, a própria braçadeira.
No Brasil, barcos assim ficaram conhecidos como "barcos asa".

Em inglês, a denominação é "roller riggers" ou "sliding riggers" isto é, braçadeiras que rolam ou movem (em oposição a "sliding seats", bancos rolantes ou deslizantes).

O ponto alto desse tipo de construção, ocorreu com as vitórias de Peter Michael Kolbe em 1981 (campeonato mundial) usando um barco construído pela Enpacher, a partir de projeto do famoso remador, engenheiro, doutor em biomecanica etc. Volker Nolte.
Porém pouco tempo depois este tipo de braçadeira seria "banido" pela FISA.
Seja como for, este curioso sistema praticamente anulava a arfagem, pois o remador ficava "sentado" num ponto e todo o resto é que se movia. Os resultados em competição provaram esse ponto de vista.
Tanto é assim, que um dos supostos motivos para banimento, é que a adoção desse sistema promovia uma "vantagem desleal" para quem o usava, o que, aliado ao motivo "econômico" (poucos clubes teriam capacidade de bancar barcos com essa tecnologia) teria levado ao banimento.
As razões do banimento também passam por teorias conspiratórias (influência de Melchior Burgin, da Stampfli, que era concorrente da Enpacher... entre outras histórias e estórias).
Embora os fatos mais visíveis e "sensacionais" envolvendo este tipo de braçadeira tenham ocorrido no final dos anos 70 e começo dos anos 80, o fato é que este tipo de braçadeira foi patenteado em 1883, por William John James, Inglaterra ou até antes, em 1876, por Blakeman Jr, nos EUA.



Braçadeira auto-portante "central"

O autor deste artigo "imaginou" a possibilidade de uma braçadeira auto-portante, que poderia possuir apenas um braço (como muitas auto-portantes já existentes) porém este braço coincidiria exatamente com o MCL.

Para tanto, bastaria que o construtor do barco "integrasse" a braçadeira ao casco no momento da construção; visto longitudinalmente, é como se a braçadeira fosse realmente uma peça em "U".

A grande desvantagem, é que a braçadeira não poderia ser desmontada. Ao contrário, poderia se chegar ao ponto da moldagem já prever o reforço e as "abas".

Um dia quem sabe convenço o Vicente Dors a fabricar um protótipo...
No entanto, não acredito que este esforço construtivo acarretasse ganho significativo de performance (explicação mais detalhada a seguir). 




Comentários sobre equilíbrio, balanço e desempenho em relação aos tipos de braçadeira

A remada é um movimento cíclico; entrada da pá do remo na água, aplicação da potência, extração da pá do remo da água, recuperação ou devolução, movimento do carrinho até a ré, e novamente entrada da pá do remo da água.

Como esse movimento implica em"idas" e "vindas" do remador (carrinho em sentido à proa, e depois à ré; braços que puxam e depois esticam etc.), a "inversão" do sentido desses movimentos implica em princípio, numa anulação de movimento em algum ponto. Em inglês, essa anulação se chama "check" ou "checking".

Muitos técnicos de remo notam que os remadores produzem mais ou menos "afundamento" da proa ou da popa; vide arfagem.

Imagina-se que quanto mais "estável" ou equilibrado se apresentar o "movimento" do barco (quanto menos arfagem), melhor será o desempenho do barco, porque menor será a alteração da linha de água etc.

Pois bem, um barco a remo possui metacentros (MC), e neste caso específico interessa definir o metacentro longitudinal (MCL), onde as forças de flutuação se anulam. Admitindo que esse ponto coincida com o centro geométrico, então num barco de 8 metros de comprimento, o MCL estará situado na cota 4mt. ou aproximadamente na altura do "antigo curvatão central" ou, em algum ponto do trilho.

A partir desses pressupostos genéricos, conclui-se que pelos sistemas de braçadeiras tradicionais, a "potência" desaguará mais à proa (compressional) ou "puxará" mais atrás (tensional) acarretando em teoria, alguma espécie de disturbio no metacentro.

O autor deste artigo, é de opinião que a "arfagem" é muito mais resultante da grande massa representada pelo remador se deslocando ao longo do trilho, do que do descasamento entre o ponto de aplicação de potência e o MCL.

Talvez até, a localização ou tipo de braçadeira, principalmente se for auto-portante, terá significado desimportante.

Uma das formas de demonstrar o fato, é mediante imaginar uma situação extrema (reductio ad absurdum).

Tomemos um cano de 6 ou 8 metros nas mãos. Se nosso objetivo for "transportar" o cano, então o nosso movimento natural de conforto será equilibrar o cano com as duas mãos na altura do "centro de equilíbrio", que naturalmente estarão situadas equidistantes em relação ao "metacentro" mas não no próprio MCL.

Pois bem, se formos usar esse "cano" para saltar, notaremos que o fato de estarmos com as mãos deslocadas em relação ao metacentro, pouca ou nenhuma diferença fará (a posição das mãos praticamente se anulará). O que realmente fará diferença nesse caso, será deslocar as mãos para a ponta do cano.

Neste exemplo, estamos experimentando a questão "rotacional" ou seja, o quando a potência da remada tem capacidade de "elevar" ou "afundar" o barco, e isso pressupõe que o remador "erga" o remo ou o "afunde", e é apenas nessa circunstância que o vetor resultante (descendente ou ascendente) irá influenciar (afetar, interferir, desequilibrar) o MCL.
Uma outra prova de que o "ponto" de aplicação da potência pouco influi no desempenho do barco ou na arfagem, está no extraordinário ganho obtido com o sistema do "barco asa", já comentado neste artigo.
Ora, no caso do "barco asa", é evidente que o vetor estará deslizando ao longo do barco (portanto descasando do MCL) comprovando-se assim, que a arfagem é muito mais resultante do desequilíbrio causado pela massa do remador, do que por escolha do ponto onde a potência será aplicada no barco.

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Dedico esta resenha, aos amigos Edson Ache Jr, Stefan Genthner, e Vicente Dors.


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Notas:

1 - Em latim, "vector" possuía entre outros possíveis significados, "carregar" ou levar.

2 - Além de aspectos de geometria e de construção, existem considerações a respeito do "shape" das braçadeiras, que podem ser "aero" (a forma mais usual encontrada em braçadeiras de fibra de carbono), redondas, ovais etc., em geral o formato tem a ver com a resiliência do material empregado e a necessidade de proporcionar o melhor suporte (apoio vertical) para o remo.


Segue na Parte 5 (atualmente em fase de revisão)